sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Capítulo 3 - Música alta, conversas com a avó, o Relicário



     Passava da meia noite quando Diva e a avó resolveram se deitar. Ela estava cansada da viagem e percebeu que a avó estava cansada também, mas ainda tinham tanto o que conversar! Mas era melhor deixar para o outro dia.
     Diva se jogou na cama, sentindo-se tão leve. Como era bom abrir o coração! Parecia que naquele momento todos os seus problemas tinham ido embora. Mas sabia que não era bem assim, quando encontrasse o noivo, dali a poucos dias, e enfrentaria também a fúria de sua mãe, que com certeza não se cansaria de dizer que ela tinha feito a pior burrada de sua vida, como sempre fez e blá blá blá...  Mas só queria pensar nisso depois. Só depois...
    Pela janela do quarto uma brisa refrescava o quarto. Deitada na cama olhava o céu meio nublado, poucas estrelas. Decidiu que iria dormir com a janela aberta mesmo e levantou-se, enquanto esperava o sono chegar, para olhar a cidade, a Torre e o casarão. Apenas uma janela velha estava aberta. Como seria a vida daquela pessoa que morava ali? Como ele devia ser? Velho rabugento? Por que deixou a casa ficar daquele jeito como se estivesse abandonada? Era curioso...
     Mais ao longe, Diva olhou a Torre Eiffel toda iluminada. Tão linda! E prometeu que no outro dia cedo iria visitá-la, mas no fim da tarde, quando as luzes coloridas deixavam-na tão romântica! Mas por agora, queria dormir. O sono chegou. Saiu da janela, vestiu sua velha camiseta que gostava para dormir, apagou as luzes e se jogou na cama. Ah, como era bom! Cama tão macia. Corpo e alma tão leves.
     Mas no meio do silêncio bom uma música alta vinda do lado de fora invadiu o quarto. E ninguém se incomodava com aquela musica tão alta em plena madrugada? Passava da uma da manhã. Se fosse na capital, com certeza, já teriam chamado a polícia, Diva pensou, prestando atenção na música que não conhecia. Mas ali, na Pequenaparis todos continuavam dormindo, pareciam acostumados. Nem um vizinho xingou. Nem uma luz se acendeu. A música vinha do casarão. A mesma música que acabava e começava, acabava e começava, sem fim... E apesar do barulho todo, voltou a pegar sono.
     Só acordou quando um cheiro gostoso de feijão temperado perfumou o seu quarto. Era quase meio-dia. Quase meio-dia? Sim, quase meio-dia. Não acreditou que tivesse dormido tanto! Há quanto tempo não fazia isso?  Trocou de roupa, escovou os dentes, penteou os cabelos e desceu para a cozinha, onde a avó e uma amiga conversavam.

- Bom dia! – ela disse às duas senhoras.
- Bom dia! – a avó e a amiga responderam juntas e a avó acrescentou: - Diva, essa é a minha amiga, Doralice.
- Como vai menina bonita? – A senhora simpática, de cabelos cinza e rosto de anjo lhe estendeu a mão.

    Diva sorriu e completou:

- Doralice e dona Alice. Isso é que é amizade. Até os nomes são parecidos.
- Você viu? - Doralice sorriu. - E você é muito bonita! Parece até artista de cinema.
- É bondade da senhora! – Diva corou.
- Não é não. Eu não sou bondosa. Estou falando a verdade. Você é solteira?
- Quase... – Diva respondeu olhando para a avó, que lhe deu uma piscadinha.
- Quase solteira? Como é isso? – perguntou a mulher curiosa.
- É uma longa história, Dora. – a avó respondeu. – Coisas desses jovens! – piscou novamente para a neta. – Você me ajuda a terminar o almoço, Dora. 
-  Claro. Ajudo sim. Eu fiz uma torta deliciosa de chocolate, vou buscar lá em
casa. Volto já.
Gostei dela. – Diva falou, bocejandoo.
- Ela é um doce de pessoa. É minha melhor amiga. – a avó apanhou uma jarra
de suco de laranja na geladeira para oferecer a neta.
Não vó, obrigada! Eu vou esperar o almoço.
- Você dormiu bem?
- Eu demorei para pegar no sono com aquela música alta... – puxou uma
cadeira, sentou-se.
- Ah, eu me esqueci de te avisar. De vez em quando o Julian faz isso.
- Julian é o homem do casarão, não é?
- É, ele mesmo. De vez em quando liga o rádio alto para ouvir Marvin Gaye.
- Marvin Gaye?
- Sim, o cantor que ele ouviu ontem. E sempre. – a avó sorriu.  Ele só escuta Marvin Gaye. Na verdade, só aquela música...
Mas, por quê?
- Não sei, Diva.
- Vó, me fala dele. Eu fiquei curiosa.
         
D. Alice mexeu a comida na panela, tampou-a em seguida, depois puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da neta.

- Eu não sei muito a respeito dele, Diva. Na verdade, eu sei somente o que a cidade comenta, porque eles não eram muito sociáveis. Mas, foi o bisavô dele quem fundou essa cidade quando ele veio de Paris para cá. Era um empresário de sucesso. Depois o que eu sei é que nessa casa, moravam o Julian, o pai e a mãe. A mãe dele se matou quando ele ainda era criança, o pai enlouqueceu e mais tarde morreu, mas como quase nunca saíam de casa, só ficamos sabendo da morte meses depois. Ele se casou com uma moça muito bonita. Ela eu conheci e tiveram uma filha que morreu a uns anos atrás de câncer. A esposa desapareceu. Acho que eles se separaram. Ele ficou sozinho no casarão. A história toda não conhecemos. Ele não tem amigos, de vez em quando sai para dar umas voltas pela cidade... Mas sempre sozinho...
- Nossa, que história!
- É triste, né? Mas cada um de nós tem nosso punhado de provações aqui nesta vida, não é mesmo? Todo mundo tem a sua cruz para carregar.
- É verdade. – Diva se levantou quando ouviu o portão se abrir e olhou pela janela para ver quem era. Era a Doralice que entrava com sua torta de chocolate  acompanhada de um senhor de bigodes com uma pasta mão.
- Alice, esse é o Sr. Fontes. – Doralice apresentou o homem que estendeu a mão para a avó que o convidou para entrar.

Diva olhou-o, curiosa. Sentaram-se todos na sala.


Eu já expliquei para o Sr. Fontes, Alice, que o valor é aquele mesmo. - Doralice iniciou a conversa.
- É verdade – respondeu a avó. – O preço é aquele mesmo que eu lhe passei pelo telefone, Sr. Fontes.
- Preço do que? – Diva se intrometeu, quando o homem se preparava para responder. – O que está à venda?
- O sebo? – Doralice respondeu.
-  Que sebo?
O Relicário. O sebo do seu avô.
- Eu me esqueci de lhe dizer, não é Diva? – falou a avó. – O Relicário, como a Dora disse, é o sebo que seu avô deixou e...
- E que a senhora está vendendo... – Diva completou.
- Sim.
- Mas, por quê? – ela se levantou. - Por que a senhora o está vendendo?
- Porque eu já estou velha, Diva, e não posso cuidar dele.
- Mas vender, vó?
- Sim, eu ia mandar o dinheiro da venda para você...
- Não! Eu não estou precisando de dinheiro, vó. Sr. Fontes, o sebo não está à
venda.
 Mas, Diva?
É isso mesmo. Não está à venda, Sr. Fontes.
       
Diva abriu a porta para o homem ir embora e saiu junto com ele. Doralice e Dona Alice acompanharam a moça curiosa, que nem sabia onde ficava o tal sebo, mas saiu procurando-o mesmo assim. A cidade não era tão grande. Logo o encontraria.
Mas não precisou caminhar muito, lá na frente, uma casa pequena pintada de azul celeste e uma varandinha branca, com uma placa torta pregada na porta: “Bem vindo ao Relicário.”, tocou o coração de Diva de uma maneira que ela sentiu-se arrepiar. Os olhos marejaram e sentiu um calor invadir o coração. A avó abriu a porta. E ela foi a primeira a entrar.
     Logo na entrada estavam as prateleiras, mais de oito, cheias até em cima de livros finos, grossos, velhos, novos, pequenos, grandes, de todas as cores e tamanhos. Do outro lado, um pequeno balcão com mais livros, mas bem mais velhos do que todos os outros que estavam nas prateleiras.


Seu avô consertava os livros que estavam muito velhos. – a avó explicou.

Diva assoprou o pó de cima de alguns deles e continuou observando tudo o que tinha ali como algumas cadeiras e mesas amontoadas em um canto.


Essas mesas ficavam ali fora, na varandinha, não é, Alice?  – falou Dora.
- É sim. – a avó respondeu com saudades nos olhos.
     
Diva sorriu para ela e parou em frente a um quadro com a fotografia de um senhor branco de olhos pretos e cabelos grisalhos.


É o meu avô? – Diva tocou o quadro.
- Você não se lembra dele, não é? – a avó se aproximou.
- Não, eu só me lembro do caixão e das flores porque eu não olhei para ele. Eu não queria guardar para sempre a imagem dele no caixão. E minha mãe não tem nenhuma foto de vocês. Não que eu saiba. Ele era muito bonito!
- Era sim. O mais bonito! – a avó também passou a mão na fotografia e sorriu.

Diva balançou a cabeça concordando com a avó enquanto folheava um livro. Guardou-o em seguida. E foi só nessa hora que elas se deram conta de que a Doralice tinha ido embora. Quis deixá-las a sós. Diva ainda tinha tanto o que saber sobre aquela senhora magrinha de cabelos grisalhos e olhos tão doces e carinhosos!


Vó, a senhora não pode vender esse lugar. – insistiu no assunto.
- Diva, eu já estou muito velha, eu não tenho como cuidar disso.
- Mas isso aqui é tão... – Diva olhou todo o ambiente. – É tão... – faltaram-lhe as palavras certas. – É como se o vô estivesse aqui.
- É, eu sei. Ele amava esse lugar. Passava o dia todo aqui.
- Então, vó... Eu não acho certo vender.
- Mas tenho certeza de que ele ficaria muito triste se soubesse que esse lugar está abandonado.
- Eu vou dar um jeito, vó. Mas não vai vender não. Eu vou fazer uma faxina aqui e amanhã mesmo eu o reabrirei. Depois quando eu for embora, eu penso no que vou fazer. Talvez, eu contrate alguém para ficar aqui. Que tal?
- Diva, não sei se é...
- É, sim, vó. Confia em mim.
- Eu confio, menina! – a avó lhe deu um abraço. – É claro que eu confio.Mas...
- Mas nada, dona Alice. Eu vou agora mesmo buscar balde, sabão, pano de chão e começar a limpeza.
- A teimosia você herdou da sua mãe, Diva!
- Pelo menos uma coisa, não é? – Diva sorriu. – A senhora não precisa se preocupar, eu dou um jeito na bagunça aqui sozinha.
- Então, já que eu não tenho escolha, eu vou fazer os bolos para amanhã.
- Bolos?
- Sim, seu avô vendia bolos aqui. O pessoal sentava ali nas mesas da varandinha, lendo o jornal do dia ou um belo livro enquanto se deliciavam com um pedaço de um dos meus famosos bolos de chocolate e morango.
- Hum! Já me deu até água na boca.
- Mas depois do almoço, não é Diva? Você almoça e depois vem para cá. Vamos para casa agora.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Capítulo 2 - Conversa na cozinha II - Por que eu amo você?



Diva deixou o prato escorregar da mão que bateu na pia e se quebrou.

- Se machucou? - a avó jogou o guardanapo em cima da mesa e foi para perto dela.
- Não, eu estou bem. – recolheu os pedaços do prato e jogou-os no lixo, mas sem encarar a avó.
- Diva, podemos conversar sobre isso?
- Sobre o prato?
- Não, Diva, esse prato não tem a menor importância. – Dona Alice encostou-se ao lado dela na pia. – Eu estou falando de você. Olha para mim. - Diva demorou um pouco para olhar, mas o fez como uma menina obediente.
- Vó, aquele dia que eu escrevi a carta... - se afastou. -... Eu estava chateada com um monte de coisas, foi só um desabafo. Eu estava me sentindo sozinha. Não precisa se preocupar.
- E o que mudou de lá para cá?
- Como assim?
- Diva, você realmente ama esse rapaz?

Diva caminhou até o armário e encostou cruzando os braços.

- Eu não sei se eu amo. Eu acho que eu gosto dele. – completou.
- Gosta? Diva, gostar é muito pouco.
- Mas a senhora concorda comigo que com o tempo o amor pode vir?
- Mas pode não vir, minha neta. – caminhou até ela. – Não dá para brincar de “roleta russa” com uma decisão tão séria. Menos do que o amor, Diva, para um casamento é infelicidade para uma vida inteira. Casamento é uma coisa séria. A gente tem que estar feliz com essa decisão. Tem que estar certa disso. Ou então, nem adianta se casar.
- Mas se não der certo, separa, todo mundo faz isso.
- Sim. Mas é isso o que você quer?

Diva preferiu não responder. Olhou para o chão.

- Para se casar, Diva, é preciso amar, querer ficar perto, sentir a falta um do outro. Quando eu estava para me casar, o meu pai um dia, entrou no meu quarto e me perguntou por que eu queria me casar, por que eu amava o seu avô. E eu pensei muito nisso, e então, meu pai me pediu para escrever uma carta chamada: “Por que eu amo você?” E eu escrevi essa carta e percebi que eu amava o seu avô porque ele sempre olhava dentro dos meus olhos quando estávamos conversando, porque quando eu estava angustiada, preocupada, ele encostava a ponta do nariz no meu e falava: “eu estou aqui!”. E eu sabia que ele estava mesmo. Eu nunca me senti só enquanto ele esteve vivo. Eu o amava porque quando ele comia manga, sempre enfiava todo o caroço dentro da boca e vinha todo lambuzado para me dar um beijo, mas isso ele nunca conseguiu porque eu tenho alergia a manga. – sorriu, com um olhar de saudades. – O meu amor nunca diminuiu. Ele só aumentou a cada dia. E é desse amor que eu estou falando, Diva. Do verdadeiro amor, não da imitação. Do amor que suporta a perda de um filho, uma doença, as tristezas, desse amor que é divino. – segurou na mão da neta e conduziu-a até o sofá. Sentou-se ao lado dela, ainda segurando em suas mãos e olhou dentro dos olhos escuros e cheios d’água da menina e aconselhou: - Faz a carta, então? Por que eu amo você?
- Não sei não, vó. Eu não sou muito boa para escrever essas coisas.
- Não precisa. Quem vai ditar é o seu coração. E quando é ele que dita não há nada que não fique bonito!

Diva deu um pequeno sorriso e limpou as lágrimas quentes que escorriam em seu rosto.

- Diva, eu sinto que eu tenho que lhe dizer isso. – a avó apertou forte a mão dela e encarou-a. - Você não precisa se casar com alguém que não ama.

E ela sabia disso. Sempre soube. Mas nunca tinha ouvido alguém lhe dizer. Nunca! E ao encontrar consolo e apoio na avó, respondeu em prantos:

- Mas eu não posso, vó!
- Não pode? Como não pode? Diva, o que está acontecendo?

Mas, Diva não conseguia falar. Seu choro de anos que ficara guardado veio de uma vez, tão forte que no mesmo instante lhe trouxe uma enorme dor de cabeça. Ela cobriu os olhos com as mãos enquanto a avó tentava lhe acalmar lhe oferecendo um copo com água, o colo e o ombro amigo. E Diva queria falar, gritar se preciso fosse tudo o que estava preso em sua garganta. Desabafar.

 - A minha mãe teve a sorte de ter uma mãe compreensiva, que se importava de verdade com a felicidade dela como a senhora, mas eu não. – secou os olhos. Os lábios tremiam. D. Alice franziu a testa.  – Como eu disse, ela nunca se importou comigo. Eu sempre me esforcei, vó, para que ela, pelo menos uma vez, me notasse, mesmo eu não sendo tão bonita como as filhas das amigas dela, mesmo eu não sendo tão fútil como elas. Eu sempre me esforcei para que ela olhasse para mim. Então, um dia eu a ouvi conversando com uma amiga e ela dizia que queria muito que eu fosse advogada, porque era chique, mas que eu tinha escolhido cursar pedagogia, que vergonha, onde já se viu querer ser a professora do primário e ganhar uma miséria de salário. Imediatamente, eu abandonei o meu curso de pedagogia que eu tanto amava e fui fazer direito.  E eu odeio direito. Odeio. Mas estou fazendo que é para ver se ela presta atenção em mim, mas não, ela não se importa. Ela não se importa, vó. – tomou mais um gole de água. - Um dia, teve o aniversário de uma amiga dela e eu fui obrigada a ir. E lá, eu fui apresentada ao Marcelo, neto de um empresário muito, muito rico.
- Eu já sei o que você vai me dizer... – a avó tomou a água com açúcar que trouxera para a neta.
- Minha mãe e a amiga me empurraram para cima do Marcelo, mas eu não queria nada com ele. Ele estava fedendo a bebida, era chato, pegajoso, arrogante e burro... E ficou no meu pé a festa toda por insistência dessa amiga da minha mãe. Mas eu fugi dele a noite inteira. Na volta para casa, a minha mãe quis saber o que eu tinha achado dele e eu respondi que tinha nojo, ela então gritou, dentro do carro, na frente da amiga dela e da filha dessa mulher: “– E aonde você acha que vai encontrar alguém melhor que o Marcelo? Você acha mesmo que os “boas pintas” de verdade, vão se interessar por você? O Marcelo pode não ser bonito mas pode te dar uma boa vida. Ele é sua única oportunidade, será que você não consegue enxergar isso? Você teve sorte de ele ter olhado para você com tantas mulheres lindas naquela festa. Aonde é que você vai arrumar um homem para casar com esse jeito insuportável? Isso sem falar que você não é bonita.“  Aquilo me feriu tanto, vó,  me humilhou tanto que eu nem consegui responder nada, fui calada para casa me sentindo a pior pessoa do mundo e chorei o final de semana todo.  Mas na segunda-feira eu tinha tomado uma decisão. Eu liguei para o Marcelo e disse que queria sair com ele, marcamos um encontro e estamos juntos já faz mais de 6 meses. Minha mãe tem orgulho disso. Ela pressionou para sair casamento. Outro dia até me aconselhou a engravidar, disse que ter um filho seria garantia de uma pensão gorda para o resto da vida. Vive dizendo que a filha dela vai se casar com o neto de um ministro, filho do empresário tal cheio da grana. A senhora entende agora? - Diva inspirou alto quando terminou de falar e abaixou a cabeça voltando a chorar.

Dona Alice ficou quieta um tempo, pensativa, olhando fixamente para a neta. Secou os olhos porque chorava também, não estava surpresa, mas desapontada. Esperava que o tempo e a maturidade conseguissem ensinar a sua filha o que ela não conseguiu, mas a Sônia não tinha mudado. Por causa do maldito dinheiro, colocava à venda a própria filha. A felicidade dela.

- Ela não tem esse direito. A sua mãe é uma pessoa infeliz, você não deve ser. Eu te entendo, você fez tudo isso porque quis fazer a sua mãe feliz, mas agora Diva, é a sua felicidade que está em jogo. E a Sônia não está preocupada com isso, mas você tem que estar. Você não pode cometer os mesmos erros que ela, isso tem que acabar aqui, minha filha. Você sabe agora que não precisa se casar com esse rapaz que tem nojo, não sabe? Você não gosta dele e é isso o que importa. Você não gosta da sua faculdade e é isso o que importa. Você tem que ser feliz, Diva, e é isso o que importa. Você não pode matar os seus sentimentos e nem permitir que alguém faça isso. Você tem o direito e vai amar alguém de verdade e é isso o que importa. Você que é importante nessa história toda, Diva, você me entende? - A avó se aproximou e lhe deu um forte abraço. - E o que você pretende fazer com esse casamento, Diva?
- Eu não sei. Vó, eu não posso simplesmente chegar e dizer que acabou.
- Claro que pode!
- Os convites já foram distribuídos, a festa, o vestido já está pronto e...
- E daí, Diva? É a sua felicidade que está em jogo, minha neta! Ela vale só os preços dos convites, do vestido, da festa?
- Não.
- Então, o que você pretende fazer com esse casamento, Diva?
- Eu não vou me casar com ele, vó. Mas eu também não posso ligar para ele agora e terminar tudo assim, por telefone. Eu vou esperar até a semana que vem, quando ele voltar e aí eu lhe explico tudo.
- Se você prefere assim. E se precisar de mim para dar um bom conselho para ele e umas boas palmadas na sua mãe pode contar comigo.
- Eu sei que eu posso, vó. – Diva finalmente sorriu.
- Agora acalma esse coração e vem cá, me dá outro abraço.- Eu sei que eu posso, vó. – Diva finalmente sorriu.
- Agora acalma esse coração e vem cá, me dá outro abraço.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Capítulo 2 - Conversa na cozinha - Parte I


- Este era para ser o quarto da sua mãe. – a avó abriu a porta do segundo cômodo no andar superior. – Se um dia ela tivesse voltado...

     O quarto não era muito grande. Tinha uma cama de casal, um guarda roupas, uma estante com alguns poucos livros e uma imensa janela de madeira que Diva abriu imediatamente para clarear o lugar. E se sentiu privilegiada com a vista da cidade. Dava para ver a réplica da Torre Eiffel que com o cair da noite já começava a ficar iluminada, uma linda praça cheia de crianças brincando decorada por dois lindos pés de ipês amarelos e na frente da casa da sua avó um imenso casarão. A penumbra do anoitecer deixava-o com o ar assustador. Talvez por ser muito antigo. Talvez por estar com as paredes cheias de musgo. Talvez por causa daquela imensa árvore que ficava entre o jardim e a calçada de tão grande que era. Era tão bela com suas folhas tão verdes e parecia ser a única coisa viva daquele lugar! O jardim um dia tivesse sido bonito: a grama estava seca e tinham muitas folhas e galhos secos no chão. O portão de ferro enferrujado com algumas grades retorcidas. Como pode não tê-lo visto assim que chegou à cidade?

- Quem morava ali, vó? – Diva apontou para o casarão.
- Quem mora.
- Ainda mora gente ali? – assustou-se.                           
- Sim. O último Chatêau. O último descendente dos fundadores dessa cidade.
- Nossa! Mas parece abandonado.
- Parece mesmo. Mas não está não. – a avó aproximou-se dela na janela. – Ele ainda mora aí. Não sei se está em casa agora, mas mora aí.
- Ele mora sozinho?
- Mora sim.
- Mas por quê? O que aconteceu com todo mundo?
- Ah, Diva é uma longa história. Eu te conto depois. O jantar já está pronto, eu vou servir a mesa enquanto você toma um banho. Ali está o banheiro. – apontou para uma porta entreaberta do outro lado do quarto. - No guarda roupas tem toalhas. Te espero lá embaixo, está bem? - Dona Alice deu um beijo nos cabelos da neta e lhe disse carinhosamente: - Obrigada por ter vindo, Diva! Agora eu já posso morrer em paz.
- Morrer? – Diva sorriu com a brincadeira. – Nem brinca com uma coisa dessas, vó.

Dona Alice sorriu e fechou a porta deixando-a sozinha.
Diva voltou a debruçar na janela sentindo uma paz lhe invadir o coração. Como raras vezes sentiu em sua vida! Um sentimento tão doce que desejou com todas as forças que durasse para sempre. E era tão simples. Era isso a vida. Simples. Era estar perto de quem se ama. É sentir o amor com uma palavra bonita, com um carinho, com um sorriso, com uma flor na janela lhe dando boas vindas.

De repente uma gota de chuva lhe molhou a ponta do nariz, Diva olhou para o céu e viu não era só a noite que vinha chegando, mas uma boa chuva que escureceu o céu. Saiu da janela e olhou para o casarão quando uma das janelas acabava de ser fechada. Não viu ninguém, apenas a imensa janela de madeira que fez barulho quando fechou. Mas não estava ventando. Será que aquele lugar também era mal assombrado?

A chuva caía forte, mas continuava quente. Por isso, enquanto jantavam a avó trouxe para a sala de jantar um pequeno ventilador. Mas o que ajudou a refrescar mesmo foi o gostoso pudim de chocolate que Dona Alice tinha preparado com calda de morango. Há quanto tempo Diva não comia uma comida tão gostosa assim? Nem conseguia se lembrar. Com a sua vida tão corrida, com seu emprego, a faculdade, cursos, o casamento o que menos tinha era tempo de cozinhar. A mãe não gostava de cozinhar, ela então se virava na maior parte do tempo com comidas congeladas ou fast-food. Sabia que não fazia bem, mas seu tempo era tão curto que na maioria das vezes não lhe sobrava nem tempo para comer, por isso, havia perdido 3 quilos no último mês. Por um lado era bom estar mais magra. Toda noiva tem que ser magra, a mãe repetia todos os dias, mas sabia que não estava perdendo peso de forma saudável e logo sentiria os efeitos de não estar se cuidando.

- Nossa, comi tanto que estou até triste! – brincou ao engolir o último pedaço do pudim.
- Que bom que você gostou! – a avó recolheu os pratos da mesa.
- E tem como não gostar dessa comida maravilhosa, vó? Eu nunca comi uma comida tão gostosa como essa! – Diva se levantou e ajudou a recolher os pratos também. E se ofereceu para lavar a louça enquanto a avó trazia os pratos sujos que faltavam.
- Diva, eu sou uma pessoa muito curiosa.
- É mesmo? – Diva sorriu.
- Mas acho que curiosa não é a palavra certa aqui. Quando você me escreveu aquela carta eu fiquei preocupada, porque a gente só pede um tempo, como vocês jovens dizem, numa relação quando ela já não está mais do jeito que nos faz feliz ou porque estamos precisando de coragem pra terminar tudo, não é assim? E você disse que precisava ficar longe um pouco da sua mãe, do seu trabalho, da faculdade. Até aqui eu entendo. Mas do seu noivo? Do seu noivo, Diva?

Diva deixou o prato escorregar da mão que bateu na pia e se quebrou.

domingo, 21 de setembro de 2014

Final do Capítulo 1 - A revelação


A avó correspondeu ao olhar da neta. E era o mesmo olhar, porque conheciam a mesma dor que machucava o coração todos os dias.

- É a sua mãe quem não fala comigo.
- Mas por quê?
- Exatamente por causa disso que nós estamos falando agora. Ela sempre quis ser uma pessoa que não era, viver uma vida que ela não tinha. Ela tinha vergonha da vida que nós, os seus pais, podíamos dar. E isso porque não faltava nada. Nunca faltou nada a ela. Mas ela sempre queria mais, mais e mais e para isso fazia qualquer coisa. Menos trabalhar. Ela até roubou uma loja uma vez para ter uma roupa que viu lá. Seu avô a fez devolver... Foi bem triste!
- E o meu pai, vó? Minha mãe nunca quis falar dele. Quem era ele?
- O seu pai era o filho do prefeito. Ela o conheceu numa festa, mas apesar de todo o dinheiro da família dele, ele não era uma boa companhia. Bebia muito, usava drogas, roubava carros, tinha sido preso duas vezes por causa disso. Mas, como era o filho do prefeito, tudo podia. E eles começaram a namorar. Seu avô quase enlouqueceu quando ficou sabendo. Brigou com ela, mas de nada adiantou. Eles continuaram a se encontrar escondidos. Até que um dia, numa festa, ele acabou batendo na sua mãe na frente de todo mundo, porque ele achou que ela estava conversando demais com outro rapaz que estava lá. Saíram no jornal as fotos dela com o rosto todo cheio de hematomas. Seu avô quando ficou sabendo foi atrás dela e a trouxe para casa. Nós a levamos ao médico, curamos os machucados, conversamos com ela, mas de nada adiantou. Ela continuou a namorar o seu pai. E apanhou de novo, mas dessa vez ela voltou para casa sozinha e o seu avô a acolheu, conversou com ela, disse que aquele rapaz não era uma boa pessoa, que algo pior poderia acontecer com ela, como ser morta, já que ficamos sabendo que ela chegou a participar de alguns roubos com ele. Mas, mais uma vez, ela nem quis ouvir. Fez as malas e foi embora.
- Foi para a casa dele?
- Eu não sei. Só sei que um dia, ela nos contou que estava grávida. E seu avô passou mal nesse dia e foi parar no hospital. Mas o que poderíamos fazer? Já estava feito. E ela nos deu essa notícia no mesmo dia que o seu pai tinha sido preso após uma briga de rua. E disse que o seu avô, o pai do seu pai, iria dar dinheiro para ela fazer um aborto. Nós imploramos para a sua mãe não fazer isso. Pedimos para ela ter a criança que o seu avô e eu cuidaríamos.
- Essa criança era eu.
- Sim. Era. O seu avô implorou para ela não fazer o aborto. Eu já não tinha mais forças, sabe? Eu estava tão cansada! Ela nos mandou ir para o inferno e pediu para que não a procurássemos mais. Mas como é que se desiste de um filho? Uma semana depois de tudo isso, o seu pai decidiu roubar outro para dar uma volta. E decidiu roubar o carro do um policial, amigo do seu avô. O seu pai estava armado. Era noite. Estava bem escuro, o homem não viu que ele era o namorado da filha do seu melhor amigo e deu-lhe um tiro na cabeça quando o seu pai anunciou o assalto. Seu pai morreu na hora. A sua mãe enlouqueceu e começou a falar que tinha sido o seu avô que havia mandando matar o namorado dela. Ela dizia isso para todo mundo. O mandato do pai dele terminou dias depois e a família inteira foi embora da cidade, deixando a sua mãe desamparada. Eu a recolhi em casa, mesmo ela não falando mais com o seu avô. Até que um dia, bem antes de você nascer, ela resolveu ir embora de casa. Disse que tinha uma amiga lá na capital que tinha ganhado um apartamento do pai e a convidou para morar com ela. Teve outra briga e o seu avô disse que aquela era a última, que se ela fosse embora não precisava mais voltar. E ela se foi, mas quando estava saindo pediu para eu ir com ela, mas eu não podia deixar o seu avô. Ele era o homem da minha vida! Você entende, Diva? – a avó perguntou como se procurasse uma aliada para a sua decisão.
- Claro que sim, vó.
- Eu não podia deixá-lo por causa das escolhas dela. Escolhas erradas.
- Claro que não!
- Mas ela nunca entendeu isso. Foi embora para capital e nunca mais falou conosco. Nunca mais. Nem quando você nasceu. Nem deixou o endereço. Nunca ligou para saber como estávamos. Nunca. Só quando o seu avô morreu. Mas eu nem sei como é que ela soube.
- Foi nessa época que vocês se mudaram para cá?
- Sim, foi. Aqui foi o único lugar que o seu avô encontrou um pouco de paz.  E foi aqui que o seu avô morreu sem nunca mais ver a sua mãe, mas com a esperança de que um dia ela iria voltar para casa. – a avó limpou uma grossa lágrima que escorreu de seus olhos. – É triste, minha neta!
- Ela nunca me contou essa história. Ela nunca quis falar nada sobre isso, nem sobre o meu pai, nem sobre vocês. Só dizia que não queria vê-los mais. Eu sinto muito por tudo isso, vó!
- Não sinta, Diva. Você não tem culpa de nada.
- Às vezes, eu acho que tenho.
- Mas não tem. Esse é um problema meu e da sua mãe, não se sinta culpada.
- Eu só queria que tudo fosse diferente, vó.
- Eu também queria, Diva. Mas eu espero que um dia ela me perdoe.
- Perdoar, o que? A senhora fez o certo. A minha mãe precisa entender que a senhora fez o certo.

Dona Alice, a avó, passou carinhosamente a mão sobre a mão da neta e lhe deu um sorriso.

- Você tem razão, Diva. Eu não podia abandonar o homem da minha vida por causa dos erros da sua mãe. É uma pena que ela não entenda isso e talvez nunca venha a entender porque ela nunca soube o que é o amor. Porque o amor é respeito, dedicação, é carinho, é atenção, é cuidado. O amor é belo! E com o seu pai a sua mãe nunca conheceu isso. Não existe amor nas condições que ela vivia. Apanhando. Se o seu pai a amasse, não bateria nela, a trataria bem. Porque o amor nos transforma numa pessoa melhor. Muda as nossas vidas para uma vida melhor. Se o que estamos sentindo nos faz uma pessoa pior é qualquer outra coisa, menos o amor. Porque o amor, Diva, vem de Deus! Se esse amor não lhe trouxer alegria, paz, então não é o amor verdadeiro.

Diva achou aquelas palavras tão bonitas e preferiu com um sorriso por um ponto final na conversa. Secou mais uma vez os olhos com as mãos e ajeitou os cabelos enquanto observava o rosto cansado da avó.
O amor era mesmo belo e tudo aquilo que  a avó tinha lhe dito. E qualquer outra coisa diferente disso não podia ser mesmo o amor.
Abaixou-se e apanhou a mala no chão e subiu com a avó as escadas.

sábado, 20 de setembro de 2014

2ª parte - A casa da avó - A busca das respostas


Os olhos da Diva encheram d’água quando ela percebeu que a distância e os anos não fizeram o amor que sentia pela a avó diminuir. Como amava aquela mulher que só viu uma única vez, mas que nunca saiu do seu pensamento!  Quantas vezes “fugiu para a casa da avó”, na sua imaginação nas horas que sentia medo, tristeza, raiva, angústia, solidão! Quantas vezes suas angústias cessaram ao lembrar-se do sorriso da avó! Quantas vezes seu medo cessou ao imaginar a avó lhe dizendo palavras de conforto! Quantas vezes sonhou com aquela casa! E como nos seus sonhos, tinham flores nas janelas e móveis de madeira, muitos quadros nas paredes, de parentes que ela não conhecia, paisagens pintadas, vasos de flores por todos os lados, um pequeno aquário com dois peixinhos, uma cadeira de balanço. Será que toda casa de avós tem cadeira de balanço? Não era uma casa grande, não era uma casa chique, era simples, mas era tão acolhedora! Tão diferente do apartamento frio e sem graça que dividia com a mãe na capital.
     Perto da escada de madeira que conduzia para o andar superior, um quadro lhe chamou a atenção. Reconheceu logo que era a fotografia da sua mãe. Sempre ouvia as pessoas lhe dizerem o quanto eram parecidas, mas só agora que viu a mãe mais jovem, é que pode perceber que era mesmo verdade. Os mesmos olhos pretos vivos, o mesmo nariz, a mesma boca, o mesmo sorriso e até a mesma pinta na ponta do nariz que a mãe tanto odiava.

     - Vocês são mesmo muito parecidas! – a avó confirmou. – Parece que estou vendo a Sônia aqui na minha frente agora. E ela como está, Diva?    
     - Bem. – Diva passou a mão em um dos quadros e sentou-se em um degrau da escada.

A avó se aproximou dela.

     - Diva, faz mais de dez anos que eu não vejo a sua mãe, na verdade, mais de dez anos que eu nem tenho notícias dela e a única coisa que você me diz é, bem? – a avó lhe fez um carinho nos cabelos e sorriu. - Será que eu posso ajudar?
- Ajudar? Ajudar com o que, vó?
- Parece que temos um problema aqui, não é mesmo? – a avó sentou-se ao lado dela.
     - Ai, vó... – Diva se levantou. – Eu não vim aqui para falar dos meus problemas, eu vim para...
     - Esquecê-los! – a avó terminou a frase. - Foi o que você me escreveu na carta. Que você quer dar um tempo no seu trabalho, na faculdade, na sua mãe e até no seu noivo...  – se aproximou da neta.  - Diva, eu sei que ficamos tanto tempo separadas, só nos vimos uma única vez e num dia tão triste para mim, mas todo esse tempo longe, em nenhum instante eu deixei de pensar em você, de te amar, de ser a sua avó. Eu queria que você soubesse disso. Se você quiser me contar alguma coisa, eu estou aqui. Eu vou te ouvir. Não tenha medo. Não vou te julgar. Talvez eu possa até ajudar de alguma maneira, minha filha!

E Diva sabia que ela podia. Na verdade, não tinha sido para isso a fuga? Quando se foge, ainda que não se anuncie é um pedido de socorro: Vem me salvar. Vem me ajudar. Me dê a sua mão. Não me deixe fugir sozinha. Era isso o que ela pedia. Em silêncio, mas pedia.

 - É tudo aquilo mesmo que eu escrevi na carta, vó. – Diva respondeu saindo da escada e indo para o sofá.  – Minha mãe...  Nós não nos damos bem, sabe? A gente briga o tempo todo. Ela não gosta de mim. – e as lágrimas escorreram pelo rosto delicado da menina moça. Ela secou os olhos, lembrando que aquela era a primeira vez em toda a sua vida que chorava na frente de alguém. Sempre disfarçou suas tristezas e sempre escondeu as lágrimas, mas ali, na frente da avó era tão fácil chorar. Era tão fácil ser ela de verdade. Sem máscaras. - A minha mãe só se preocupa consigo mesma, com o que as pessoas vão pensar dela, o quanto de dinheiro tem os seus amigos, quantos cartões de crédito tem os seus namorados... A superficialidade dela me irrita todos os dias da minha vida.
    - Ela sempre foi assim, Diva. – e acariciou novamente os cabelos da neta. – Desde jovem.
     - Vó... – Diva virou-se para ela olhando-a nos olhos, implorando. - Então me diz o que aconteceu de verdade? Por que vocês duas não se falam? Porque se eu conseguir entender o que aconteceu com vocês, talvez eu consiga entender porque ela me odeia tanto!


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Capítulo 1 - 1ª parte

    
Era setembro. Primavera.
O táxi parou em frente a um sobrado de cor clara com vasinhos de flores coloridas nas janelas; como todas as outras casas e casarões daquela pequena cidade - escondida no interior do interior, num lugarzinho do mapa onde ninguém presta muita atenção - de jardins bem cuidados, pequenos arbustos nas calçadas, portõezinhos de madeira, o céu tão azul, o ar tão puro. Aquela era a Pequenaparis, que tinha até réplica da Torre Eiffel na entrada da cidade. Um lugar ideal para se relaxar, livrar-se do stress que a pressão do seu emprego chato estava lhe causando - trancada o dia todo dentro daquele escritório, com pessoas chatas e mesquinhas, fazendo qualquer coisa para subir na vida, qualquer coisa mesmo. Sem falar nas brigas constantes com a mãe, as provas da faculdade e o seu casamento marcado para o próximo final de semana. Diva precisava mesmo de uns dias de folga, dar um tempo. Estava cansada. De tudo. Da vida até, ela diria se alguém perguntasse, mas não queria que perguntassem. Só estava mesmo procurando um pouco de paz. De alegria, um pouco de sentido para a sua vida tão sem graça.
     Ela olhou novamente o sobrado à sua frente e sentiu o coração bater forte: aquela era a casa da sua avó. A avó que só viu uma única vez, quando tinha dez anos, no enterro do avô, e depois disso nunca mais. Mas agora, onze anos depois queria mudar isso. Queria que a história fosse diferente: antes de ir, escreveu uma carta para avó contando que iria se casar e que gostaria de lhe entregar pessoalmente o convite de casamento, e já que o noivo estava no exterior fazendo um estágio iria sozinha. A avó lhe respondeu por telegrama dizendo que as portas estavam abertas. Diva arrumou as malas, chamou um táxi e saiu sem explicar nada para a sua mãe sobre a viagem, mesmo porque sabia com toda a certeza que sua mãe não lhe apoiaria. Mas como sempre havia pensado: não tinha culpa nenhuma se um dia a avó e a mãe brigaram e não se falavam mais. Ou talvez tivesse como a sua mãe lhe dissera uma vez: se ela não tivesse nascido... Mas não queria pensar nisso agora, não era para isso que estava ali. Sempre sonhou com aquele momento: o reencontro com a avó. Mas a correria do dia a dia e mesmo a falta de coragem lhe impediam de tomar essa decisão. Tinha medo de como poderia ser. De como a avó lhe receberia. Mas agora, não dava mais para voltar atrás. Desceu do carro, respirou fundo enchendo-se de coragem e abriu o portãozinho de madeiras pintadas de brancos, atravessou o jardim florido e tocou a campainha. A porta logo se abriu e uma senhora um pouco curvada pela idade, frágil como uma bonequinha de porcelana, de cabelos grisalhos, alta e bem magrinha com o mesmo brilho nos olhos que vira na primeira vez em que se encontraram e o mesmo sorriso largo e acolhedor lhe recebeu.

     - Diva, minha neta! – e abriu os braços, dando-lhe um abraço confortador.